sábado, 25 de agosto de 2012

Remoção de lactato em jogadores de futebol após aplicação de massagem


Introdução
    Os processos de recuperação física têm sido investigados no contexto esportivo há muitos anos, isso na tentativa de identificar métodos de recuperação física que possam ser capazes de favorecer aumento do desempenho esportivo. Quando um treinamento excessivo e prolongado é aplicado simultaneamente a uma inadequada recuperação, muitas das alterações fisiológicas positivas associadas com treinamento físico são revertidas ao sobretreinamento (1). A recuperação após a sessão de exercício físico está diretamente relacionada aos processos do metabolismo energético, recuperação muscular, neuromotora e neuroendócrina (2).
    A massagem esportiva é uma intervenção mecânica revivida de suas origens gregas com ginastas e pugilistas no século XX e é amplamente utilizada no futebol, como forma de recuperação durante ou após os jogos. A aplicabilidade no contexto esportivo desta estratégia está baseada no aumento do fluxo sanguíneo muscular, um fator importante na remoção de lactato após o exercício, através do reforço de oxidação e difusão para fora dos músculos (3-5). Durante o exercício físico o metabolismo energético gera produtos como o piruvato, lactato e H+, entre outros, os quais são removidos do meio intracelular (6). Durante períodos de alta intensidade contrátil do músculo esquelético, os prótons de hidrogênio (H+) e lactato são gerados na célula como produtos do metabolismo energético. O lactato e o H+ produzidos são removidos a partir do líquido intracelular, sendo esse mecanismo de remoção e liberação um passo primordial no controle da acidose (queda no pH) (7). É reconhecido que o aumento dos íons de hidrogênio, concomitante à diminuição do pH, pode interferir no processo de excitação e contração muscular, resultando em diminuição da capacidade de trabalho muscular e conseqüente fadiga (8). Portanto, estratégias de recuperação para aumentar a capacidade de remoção do lactato permitiriam melhor rendimento, principalmente em exercícios físicos de alta intensidade, os quais solicitam fibras musculares predominantemente glicolíticas.
    Mesmo sendo freqüente a utilização da massagem no meio esportivo, seus efeitos não estão bem descritos na literatura, e os resultados dos estudos são controversos e inconclusivos. Hemmings e cols. (9) examinaram o desempenho da massagem na remoção de lactato em lutadores de boxe e não encontrou diferenças entre o grupo intervenção e o grupo controle. Martin e cols. (10) não encontraram diferença significativa entre o grupo que recebeu a massagem quando comparado com o grupo que realizou recuperação passiva. Ao mesmo tempo, a recuperação ativa foi capaz de promover remoção de lactato significativamente maior do que outros métodos de intervenção.
    O efeito da massagem na recuperação entre séries de treinamento de força foi avaliado por Machetti e Gonçalvez (11) , 12 homens divididos em dois grupos realizaram a flexão do joelho até a fadiga, sendo que um grupo recebeu 5 minutos de massagem enquanto o outro descansou. Foi constatado que a massagem proporciona uma recuperação mais rápida entre as séries, refletindo um maior número de repetições realizadas pelo grupo intervenção. Monedero & Done (12), não demonstraram efeito benéfico da aplicação da massagem, não encontrando diferenças significativas em comparação ao repouso passivo e o repouso ativo sobre a remoção de lactato. Embora a maioria dos estudos não tenha encontrado efeito benéfico da aplicação da massagem para a remoção do lactato, a comparação entre os estudos e correlação de seus resultados é difícil, devido a alta variabilidade na metodologia utilizada para protocolo de fadiga, técnica de massagem, e características da amostra.
    Recomenda-se que a massagem esportiva seja aplicada como coadjuvante e não como recurso único para recuperação. Um efeito comumente atribuído a aplicação da massagem é a diminuição da dor muscular tardia, que poderia auxiliar na recuperação de um atleta após um esforço intenso (3, 13). Dessa forma, a aplicação da massagem esportiva como forma de recuperação física após o exercício é questionável. O objetivo deste estudo foi avaliar a cinética de remoção de lactato em jogadores de futebol após uma sessão de treinamento anaeróbio, com e sem intervenção de massagem esportiva, seguida da realização de recuperação ativa.
Procedimentos metodológicos
Amostra
    A amostra foi composta por dez atletas praticantes de futebol de campo da categoria juniores, entre 15 e 20 anos de idade, selecionados aleatoriamente, sendo a amostra divida em dois grupos. Foi aplicado a cada sujeito o termo de consentimento informado, contendo informações de indicações e contra-indicações da massagem e seus efeitos fisiológicos e psicológicos.
Tabela 1. Descrição dos atletas
Variáveis
Amostra total
(n=10)
Grupo teste
(n=5)
Grupo controle
(n=5)
Média ± DP
Média ± DP
Média ± DP
Idade
17,3 ± 1,64
17,6 ± 1,95
17,0 ± 1,41
Peso
69,9 ± 3,48
68,2 ± 3,56
71,6 ± 2,70
Tempo no esporte
7,80 ± 1,75
8,40 ± 0,89
7,20 ± 2,28
Mensuração de lactato
    A concentração de lactato foi medida através de em um aparelho portátil Accutrend Lactate Accusport, onde cada sujeito teve seu segundo ou terceiro dedo higienizado e perfurado com lanceta descartável, sendo coletada 25µl de sangue arterializado, para que se pudesse realizar a medição do lactato. O protocolo de exercício de alta intensidade teve como objetivo induzir a produção e acumulo de lactato, sendo usadas atividades comumente realizadas no treinamento do esporte.
Protocolos
    O protocolo de exercício foi preparado e aplicado pelo próprio preparador físico do clube. Os sujeitos foram divididos em grupo teste, composto de 5 sujeitos, os quais receberam a intervenção da massagem esportiva por período de 10 minutos logo após sessão de treinamento, e outro grupo denominado controle composto por 5 sujeitos os quais não receberam intervenção de massagem esportiva, permanecendo em repouso o mesmo período de 10 minutos. Após esta fase do protocolo foi realizado mais 10 minutos de atividade aeróbia a 50% da freqüência cardíaca de reserva (freqüência cardíaca máxima – freqüência cardíaca de repouso x % desejado + freqüência cardíaca repouso) para ambos os grupos. Para controle da freqüência cardíaca no período de recuperação ativa (50%VO2max), foram utilizados equipamentos frequencímetros da marca polar, onde se obteve informações sobre a freqüência cardíaca.
Massagem
    A aplicação de massagem foi executada em períodos de 10 minutos, em um dos grupos após a sessão de exercício, foram usadas técnicas de deslizamento superficial e profundo e Petrissage(amassamentos). As aplicações das técnicas respeitaram o período de 2,5 minutos de cada tipo de técnica aplicada nos membros inferiores direito e esquerdo.
Análise estatística
    As variáveis foram descritas através de média e desvio padrão. Para comparar as avaliações de lactato nos grupos, a Análise de Variância (ANOVA) para medidas repetidas foi realizada, para cunho de complemento foi utilizado o teste de Bonferroni. Para comparação entre os grupos em cada avaliação foi aplicado, o teste “t” de student. O nível de significância adotado foi de 5%, sendo considerados estatisticamente significativos valores de p0,05. As análises foram realizadas no programa S.P.S.S. (Statistical Package for the Social Sciences) versão 13.0.
Resultados
    A tabela 2 indica valores de repouso, bem como, valores finais da freqüência cardíaca de cada grupo, com objetivo de se obter dados comprobatórios da intensidade de cada set e posteriormente para ser usado no monitoramento da freqüência utilizada na recuperação ativa de baixa intensidade aplicada no momento final das avaliações. A freqüência cardíaca de recuperação foi calculada utilizando o método Karvonen de freqüência cardíaca de reserva.
Tabela 2. Comparação entre as avaliações da freqüência cardíaca por grupo

FC

Grupo

p*

Teste
(n=5)
Controle
(n=5)
Média ± DP
Média ± DP
Repouso
85,8 ± 12,1
88,2 ± 5,63a
0,702
1º tiro
189 ± 7,30b
187 ± 11,2b
0,698
2º tiro
185 ± 7,02b
181 ± 10,5b
0,451
3º tiro
186 ± 8,20b
181 ± 12,4b
0,474
4º tiro
187 ± 8,23b
184 ± 10,8b
0,576
5º tiro
188 ± 7,70b
186 ± 14,4b
0,781
p**
<0 font="font">
<0 font="font">
-
* teste t de student * p≤ 0,05 significativo
** Análise de Variância (ANOVA) para medidas repetidas a,b Letras iguais não diferem pelo teste de Bonferroni
    A tabela 3 mostra os valores nas concentrações mmol/l de lactato sanguíneo ao longo do estudo.
Tabela 3. Comparação entre as avaliações do lactato por grupo

Lactato

Grupo

p*

Teste
(n=5)
Controle
(n=5)
Média ± DP
Média ± DP
Repouso
1,78 ± 0,40
1,64 ± 0,21a
0,504
Pós sessões de treinamento
10,8 ± 5,35
11,1 ± 2,28 b
0,912
Pós repouso ou massagem
6,86 ± 2,28
8,14 ± 2,19 b
0,392
Pós recuperação ativa
2,84 ± 0,71
2,64 ± 0,77 ab
0,673
p**
0,084
<0 font="font">
-
* teste t de student * p≤ 0,05 significativo
** Análise de Variância (ANOVA) para medidas repetidas
a,b Letras iguais não diferem pelo teste de Bonferroni

Figura 1. Representatividade dos resultados de coleta de lactato ao longo de todo protocolo de estudo
    Os níveis finais de lactato foram iguais em ambos os grupos. Porém a velocidade de remoção no ao longo dos períodos de coleta foram diferentes, mostrando que no grupo intervenção (massagem) a área sobre o gráfico apresentou uma velocidade de remoção 18,7% mais rápida que no grupo sem intervenção (Figura 1).
Discussão
    Nosso estudo com atletas de futebol mostrou que os níveis finais de lactato foram iguais em ambos os grupos. Porém a velocidade de remoção no ao longo dos períodos de coleta foram menores no ponto após massagem, mostrando que no grupo intervenção (massagem) a área sobre o gráfico apresentou uma velocidade de remoção 18,7% mais rápida que no grupo sem intervenção. Embora essa diferença não tenha sido significativa no ponto de vista estatístico, os resultados indicam uma tendência da massagem em promover uma maior remoção do lactato quando comparado ao repouso passivo após uma sessão de treinamento intenso. Essa linha de tendência pode ser atribuída à questão de a massagem drenar os subprodutos da musculatura de maneira mais rápida para corrente sanguínea, o que poderia influenciar na velocidade de metabolização do lactato por diferentes vias fisiológicas. Apenas um estudo demonstrou maior remoção de lactato através da aplicação da massagem em comparação a recuperação passiva, porém somente em um momento de medida (4). O pequeno número amostral deste estudo somado da metodologia, a qual não utilizou a prescrição de intensidade do exercício através de métodos eficientes (VO2 e FC) podem ser fatores de interferência nos resultados finais do estudo. A diferença de 18% na velocidade de remoção do lactato encontrado em nosso estudo entre o grupo intervenção e o grupo sem intervenção, faz com que acreditemos em indícios de que em períodos onde não se podem aplicar outros artifícios de recuperação física (intervalos de competições) a massagem pode ter papel acelerador da dissipação dos subprodutos do metabolismo energético.
    Os níveis de remoção de lactato após os 10 minutos de recuperação ativa foram similares entre os grupos com e sem intervenção. Dessa forma, a massagem não proporcionou diferença na velocidade de remoção do lactato após a recuperação ativa. Esse nosso resultado vai de encontro a outros estudos que avaliaram a remoção de lactato após a aplicação de massagem local (9, 10). Talvez seja necessário fazer estudos que envolvam uma rigidez maior no ponto de vista metodológico e contemplando mais grupos intervenção. Estudo realizado por Marcheti e cols. (11) identificou melhores resultados na execução de repetições de treinamento de força em indivíduos que receberam massagem entre os sets de exercício de força para flexores de joelho. Desta forma a massagem pode ter um papel significativo na manutenção do desempenho físico durante provas que possibilitem pequenos intervalos, fazendo com que se prolongue o início da descendência da curva de desempenho
Conclusão
    Concluímos que a técnica de massagem não foi capaz de promover diferença significativa no grupo intervenção quando comparado com o grupo controle ao final do protocolo. Porém, quando analisamos os valores dos grupos ao longo do protocolo, identificamos que o grupo intervenção tem uma diferença de 18,7% quando comparado ao grupo controle. O número amostral talvez tenha sido limitante para encontrar uma diferença significativa entre os grupos para as concentrações de lactato após a massagem ou recuperação passiva e após a recuperação ativa. Sendo assim, sugerimos que a massagem pode ser um meio de recuperação quando os períodos de recuperação são mínimos e impossibilitam intervenção de outro método. A aplicação de novos estudos é recomendada para verificar a eficácia da massagem como técnica de recuperação após o exercício.
Agradecimentos
    Laboratórios de Fisiologia de Pesquisa do Exercício (LAPEX-UFRGS), GEFEX (Grupo de Pesquisa em Bioquímica e Fisiologia do Exercício).
Referências bibliográficas
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  10. MARTIN NAZ, R.F.; ROBERTSON, R.J.; LEPHART, S.M.The Comparative Effects of Sports Massage, Active Recovery, and Rest in Promoting Blood Lactate Clearance After Supramaximal Leg Exercise. Journal of Athletic Training. 1998; 33 30-35.
  11. MARCHETTI H P, M. G.Efeito da massagem na remoção da fadiga entre as séries de treinamento de força. ConScientiae Saúde 2006; 5 35-38.
  12. MONEDERO JAD, B.Effect of Recovery Interventions on Lactate Removal and Subsequent Performance. Int J Sports Med 2000; 21 593-597.
  13. TIIDUS PM, SHOEMAKER JK.Effleurage massage, muscle blood flow and long-term post-exercise strength recovery. Int J Sports Med 1995; 16 (7):478-83.

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